O Aborrecimento
Era um dia como outro qualquer. Estava
eu em minha rotina de comando, – Não põe isso ai, vai ao banco resolver isso
agora, é melhor devolver isso ao fornecedor, como assim não conseguiu vender? (
...)
De repente, o momento em que eu estava
fiscalizando as saídas de mercadorias, me avisam que alguém gostaria de falar
com a gerente. Perguntei por que não haviam dirigido a pessoa até aqui. - Pelo
que conhecemos da senhora, achamos que não aprovaria isso. Diante da reposta já
comecei a imaginar a que estavam se referindo, me dirigi a entrada da loja e me
deparo com uma figura no mínimo incoerente ao nosso estabelecimento.
-Pois não!
-Olá, meu nome é Maria e estou
deixando meu currículo nos estabelecimentos, pois estou a procura de emprego (...)
- Fiquei sem palavras. Logo me
perguntei se aquela moça não se colocava em seu lugar, se não selecionava os
lugares onde procurar emprego. Sem pensar direito estendi a mão e recebi os
papéis. Não vi alternativa e folheei o conjunto de folhas. Depois de um tempo
ela, que continuava ao sol no entrar da loja, me pergunta:
- E então moça o que achou, pode
ficar com meu currículo?
Achei aquela pergunta
desnecessária, pois pela minha cara ela já deveria ter percebido seu erro e
dado o fora, mas não, continuava ali. De fato seu currículo era interessante. No
entanto, jamais a aceitaria em minha loja que é frequentada pela mais alta
sociedade local. Então me saí da seguinte forma:
- Bem, um currículo como o seu
seria, de fato, interessante para nós, mas você deve entender, perceber e
reconhecer que não atende ao nosso “perfil profissional”, então eu peço que se
retire e continue sua busca, boa sorte.
- Ah, bem, eu, é... quero
dizer..., tudo bem, muito obrigada senhora.
Fiquei observando enquanto ela se
retirava e uma raiva foi tomando conta de mim, como ninguém a instrui dos
lugares em que pode ir? O que pensa que
é para vir até aqui? Imagina se eu iria contratar uma pessoa de cor, uma afro-descendente
para meus serviços. Todos os meus clientes iriam reparar, todos iriam me pedir
satisfação, talvez alguns até deixassem de frequentar a loja, sem falar que ela
chamaria muita atenção.
De repente todos esses meus
pensamentos se resumiram a um só, então perguntei imediatamente:
- Quem teve a brilhante ideia de me
interromper com algo tão insignificante? Por que, me conhecendo como me
conhecem, não mandaram logo aquela moça se dirigir a outro local? Teriam me
poupado tempo e aborrecimento. Exijo saber imediatamente quem pediu a ela que aguardasse.
- Fui em patroa
- Isabel?
- Sim, pensei que talvez (...)
- Pensou? Se pensasse não teria
feito o que fez. Será que não consegue perceber a diferença? Olha pra você,
olha para a aparência daquela moça, olha para a aparência de todos que
trabalham aqui. Percebe?
- Sim mas (...)
- Mas por isso perderá o emprego,
não quero que esse tipo de coisa se repita.
Nesse momento eu
disse, em alto e bom tom para todos entendessem:
- Ouviram? NÃO QUERO QUE SE
REPITA. Sabem o que busco em um representante, não cometam o mesmo erro da Isabel
ou terão o mesmo destino, RUA.
Depois de tudo isso não me sentia
com animo para trabalhar e resolvi tirar o resto do dia de folga para curtir
meus filhos em casa. No meio da tarde minha empregada nos preparou um ótimo
lanche, quando ela se aproximou eu disse, - Parece que sua gente quer dominar o
mundo.
- Como assim patroa?
-Acredita que hoje uma moça negra
foi procurar emprego na loja?
- É, tem gente que não sabe o seu
lugar, não se esquente com isso. Vou pra cozinha cuidar no serviço.
- Sim, obrigada, Antonia.
Bom, e depois desse dia exaustivo
cheguei a conclusão de que cada um tem seu lugar no mundo, pois eu amo minha
empregada, ela cuida muito bem da minha cozinha, dos meus filhos, do meu
jardim, das minhas roupas (...).